04-06-2012
"Eu
estou bem", é como muitos por cá respondem a um "Boa tarde" ou
"Bom dia". E, neste caso, aplica-se, eu estou bem.
Para
além das aulas, estamos também cá para o convívio e hoje tive uma dose intensiva
de conversa de um dos alunos, o Francisco, que tem o dom de conseguir falar
durante o tempo que for necessário, encadeando tema atrás de tema duma maneira
impressionante e nos deixa de boca aberta mas sem sair uma única palavra.
Ele é
um miúdo extraordinário, com uma vontade de fazer incrível e com os mais
variados interesses, desde a apicultura ao kung
fu. Ficou órfão recentemente mas não se acanha nada em falar disso e tem um
espírito muito despachado. Só depois relembrando toda a conversa é que descobri
as saídas fabulosas que ele tinha tido, são tantas que não dá para acompanhar e
mantenho sempre um ar seriíssimo. "Porque eu pressenti a morte do meu pai
quando estava no meu quarto, em Maputo - lá eu estudo com os cadernos em cima
da cama, mas também temos sofás - e tenho uma ventoinha - a ventoinha tem
vários botões - mas depois desliguei a ventoinha mas ela continuou a dar e era
ela que me virava as páginas e, nesse momento, tive uma imagem do meu pai a
morrer. Foram à escola e disseram à minha prima mas não disseram a mim e ela
estava a falar com a minha tia e disse que o meu pai tinha morrido mas achou
que eu não tinha ouvido por causa do meu problema de audição mas eu também
fingi que não tinha ouvido. Depois disseram que me estavam a chamar em casa e
eu vi lá muita gente reunida e, como ainda era muito infantil, pensei - Será
que é um casamento? Porque quando os meus pais se casaram também havia muitas
pessoas. Mas depois fui chorar para o meu quarto só que os meus primos
apareceram e como eu nessa altura era muito infantil e achava que os homens não
choravam, limpei as lágrimas para eles não verem mas não por muito tempo,
depois continuei a chorar. Mas depois a família do meu pai queria bater na
minha mãe porque dizia que ela é que tinha enviado espíritos para o meu pai
para o matar e ficaram todos zangados sem se falar". Falou também da
Igreja Universal, de como o Fernando Picane é obreiro e ele próprio só tem
poderes por causa da fé dele. Quando a Gina Cabral estava com espíritos, chamaram
os dois e o Júlio e o Picane trouxe azeite e água que pôs na Gina e não
resultou, então passou a energia para ele e a Gina começou a correr feita
louca. Ninguém a conseguia agarrar e, só quando ele passou o poder para o
Júlio, é que a conseguiram parar. Outro, de como o trouxeram aqui para a
escola, porque ele pensava que vinha para um estúdio de música mas depois
passados dois dias viu "Naa, isto não é um estúdio de música!". Ao
início não gostou mas depois começou-se a interessar pelos animais e a fazer
amigos mas a missão dele é ajudar as pessoas de Nhampopo que são analfabetas.
Este rapaz não existe, devia ser filmado.
À
noite, com uma lua cheia poderosa, a Sofia deu finalmente a aula de Origami e
eu fiquei maravilhada por, com os alunos, aprender a fazer uma caixa! Eles
adoraram, mais ainda fazer rosas, corações e sapos enquanto ouvíamos a música
que faz furor agora, a "Puxa Mazambane", hit este que quer dizer, "Puxa a batata" e é sobre
trabalhar na machamba com um ritmo como eu nunca ouvi, que é impossível não
dançar e não nos desmancharmos a rir. Já se tornou o meu toque de telemóvel.
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