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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Moçambique #42


28-05-2012

Sinto-me num meio familiar e a viver com um horário que não poderia ser diferente, mesmo tendo só passado uma semana destas jiga-jogas que fazemos. A paciência e o auto-controlo continuam a ser postos à prova a cada hora com o convívio permanente, a falta de espaço para nos refugiarmos e de silêncio - que eu tanto preciso - e o cansaço. Nada que não consiga ser gerido quando se trabalha para uma causa maior.

Tínhamos programado ir à internet na escola secundária aqui ao lado, já que a Lina dizia que era só levar o bilhete de identidade e entrar na sala de informática. Já nos tornámos algo cépticas em tudo o que envolva facilidades por estas bandas. Dito e feito. No caminho, encontrámos a turma de 2º ano de carpintaria especada em frente à sala de computadores afirmando que tínhamos aula com eles. Toca de ligar ao professor de informática quem, na verdade, lhes ia dar aula, e estava ele a vir de Maputo. Não os íamos deixar ali a olhar para o ar, mais uma aula enfiada no nosso horário. Depois de encontrarmos a escola secundária, o professor de informática não sabia onde estavam as pens ou se funcionavam, temos que falar com o director pedagógico, que agora está em reunião, "é só fazerem um compasso de espera". Moving on.

Teoricamente, os alunos nunca têm tempo livre durante todo o dia, a não ser para almoçar, mas não é raro encontrá-los a vaguear por variadíssimas razões. A meio da manhã, estavam uns assim, porque alguns professores não tinham acabado a reunião na semana passada e retomaram hoje. Siga uma aula de Francês improvisada, para uns 20, que foi de uma hora e já não foi mau, bem que puxei pela cabeça. Demos os números, conversação básica, enfatizei a pronúncia com todas as minhas limitações e ensinei as cores excepto o amarelo, que não me lembrava.

Chegamos a casa para almoçar e somos presenteadas com a feliz notícia que a cozinheira não tinha vindo, isto ao meio dia, com aula daí a uma hora e numa cozinha moçambicana franciscana (o que faz toda a diferença). A minha mãezinha já tinha dito que não podíamos sair de cá sem comer mandioca frita e foi isso que tentámos fazer. Cortada às rodelas com sal e ketchup, acompanhada com um ovo estrelado e pão, foi o nosso almoço a imitar fast food. Bem bom para desenjoar, há mesmo males que veem por bem!

Depois de mais uma aula de informática patrocinada pelo primeiro Redbull aqui (e que o meu irmão ficaria orgulhoso em como consigo pôr a funcionar 6 computadores ao mesmo tempo numa sala a meia luz e com cabos a saírem por todo o lado) a minha imunidade à cafeína é maior e e consigo refugiar-me num dos muitos quartos desta casa e "sonecar". Adoro ir para lá, o quarto cheira exactamente à casa de Quiaios, e não há sítio melhor para recuperar energias.

Sai mais uma batelada de panfletos a avisar as aulas desta semana e uma aula de português. Não me canso destas últimas, podia dá-las o tempo todo. No fim, tivemos um tempinho para conversar e os alunos estavam muito curiosos em relação à nossa vinda para cá, se era algum estágio, se depois iríamos reportar o que tínhamos visto cá, o que é que fazíamos e faríamos em Portugal, se há algum sítio por lá sem electricidade ou pobre... Gostei muito de lhes falar da minha vida, pois é mesmo uma realidade que eles não conhecem. Tentei explicar que ter 200 euros na Índia era muito diferente de os ter em Portugal ou em Moçambique, que havia zonas ricas e pobres em Portugal mas quase todas com electricidade, que éramos considerados pobres para a Europa mas mais desenvolvidos que Moçambique apesar desta pobreza ser relativa porque qualquer pessoa aqui consegue sobreviver já que o que não falta é terreno fértil e sol para plantar e depois comer. Pouco ou nada sabem sobre o nosso país, só aprenderam os reis e História da qual já nada se lembram.

Temos andado a matutar qual será, antes de qualquer solução, o verdadeiro problema das zonas que temos conhecido. Eu penso que nós é que vimos dos tais 1% e que o resto do mundo não é assim nem podemos esperar que o seja. Não podemos trazer para aqui os nossos padrões e sonhar que alguns alunos saiam daqui para ir ter uma carreira de sucesso ou serem génios numa qualquer área importante. Muitos destes alunos vivem em condições que, se fôssemos nós, a última coisa que queríamos era estudar, com pais analfabetos e, a meu ver a parte crucial, com um sistema de ensino que pouco os motiva ou lhes serve.
Temos que ser realistas e não podemos achar que algum benefício virá quando um aluno tem uma aula de biologia por semana e tem 20 disciplinas diferentes. Acho que se eles se querem especializar, como o fazem no ensino técnico, que fiquem, pelo menos, a saber muito bem as disciplinas que lhes vão ser úteis. Não é por terem 30 aulas de filosofia ou química na vida que vão ficar mais iluminados nem sequer se vão lembrar delas. Sejamos práticos e, se eles quiserem saber mais sobre essas áreas, podem sempre pesquisar, estudar e interessar-se por vontade própria, que é como se aprende melhor. Mas calculo que nada disto seja politicamente correcto, que lhes devem ser abertas todas as portas e áreas do conhecimento. Tenho muita pena, mas isso não funciona. Ficam apenas a saber nada de tudo e o potencial dos miúdos está lá todo.

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