Jangamo, Inhambane, Moçambique
19-04-2012
Já quase me conformei com o facto de que paisagens estonteantes são muito difíceis de reproduzir. Acredito que uma fotografia deve contar, por si só, uma história, mas um lugar mágico tem mais que muitas para contar, não só uma, e daí a dificuldade em retratá-lo. Os mais dotados talvez a consigam transformar em palavras, mas eu resigno-me com a minha falta de competência nesta matéria. Não se pode reduzir apenas a uma dimensão um aperto de mão caloroso nem uma baía de perder de vista. Certos lugares hoje foram assim, felizmente.
Saímos de Maputo às 5:30 e às 8:30 mata-bichámos com outras irmãs Clarissas pelo caminho. Desta vez já estávamos mais a par do que fazem e por isso tivemos conversas mais descontraídas e foi como se tivéssemos vindo visitar amigas de há muito. É, mais uma vez, com a maior simpatia que nos recebem e ficam felizes ao saberem que iremos ficar dois meses em Inhambane, terra natal de uma delas. Ainda não têm mosteiro para estarem em clausura pois só chegaram aqui faz um ano. Assim, mostraram-nos o terreno onde já têm flores de todas as cores, erva-príncipe, mandioca, cajueiros e laranjeiras tal como dois canitos e um casal de porcos que, aquando do nascimento de uma cria, voltam aos donos originais para que as irmãs fiquem com o pequeno. A igreja era muito kitch, com as paredes pintadas de cor-de-rosa e verde-água, vitrais com cores primárias e um chão muito retro, com azulejo a preto e branco em diagonais. Vê-se que precisa de ser restaurada mas é muito especial e recebe alguns turistas.
Antes de nos despedirmos, ainda fomos requisitados para ajudar uma das irmãs, portuguesa, a tratar de arranjar a impressora. Todo o cenário era digno dum filme do Woody Allen – com coqueiros lá fora, a irmã com sotaque bracarense cerrado, óculos desproporcionalmente grandes para o tamanho da cara e hábito castanho e branco, a explicar-nos como já-tinha-instalado-a-impressora-toda-XPTO-Laserjet-mas-que-o-processo-de-instalação-não-tinha-acabado-porque-a-Internet-tinha-ido-abaixo-mas-agora-já-estava-a-funcionar-e-o-tone- e-novo-mas-o-Windows- tinha-ar-de-ser-o-primeiro-lançado-pela-Microsoft, isto enquanto estava sentada com o ecrã do computador inclinado para cima dela e a mexer no terço, que trazem sempre pendurado na corda, que podia ser que o Santíssimo também ajudasse nestas ocasiões.
Estrada fora, entrávamos agora num tipo de paisagem ligeiramente diferente, com mais coqueiros, terra muito argilosa e menos casas de cimento, mais de esteira, mas sempre com planície muito vasta. Quase a chegar a Inhambane, parámos na baía mais maravilhosa que alguma vez vi, de um azul e verde tão intensos… Provei água de coco e lenho, o coco quando é fresco e comprei o novo vício, caju torrado. Num contacto mais próximo com os vendedores e a malta que se reunia à nossa volta, deu para perceber que eles parecem um pouco tímidos ao início mas que têm o sorriso mais bonito quando este aparece.
Ao chegar à nossa casa, fomos recebidos pelo Frei Filipe Quenquene, que vai estar connosco nas próximas três semanas e por três rapazes que também cá vão estar e são aspirantes a frades, os postulantes. Houve gazela, arroz com um folha que ainda hei-de descobrir o que é, e uma iguaria típica – matapa. Consiste em folhas de mandioca e amendoim triturados com leite de coco. É absolutamente delicioso como molho a acompanhar o que quer que seja e não saio daqui sem estar expert em cozinhá-lo. E comê-lo, claro.
Tivemos ainda tempo de ir ao mercado e conhecer um bocadinho da cidade de Inhambane, que fica a cerca de 25 minutos de carro por uma estrada fascinante. Aí, vêm- se as povoações construídas em palhotas de uma espécie de areia cimentada, muito planas, no meio dos coqueiros e era como eu imaginaria África logo quando ouço a palavra. Há também homens, mulheres e crianças a tentar vender camarão ao estendê-lo em frente aos carros que por lá passam e muitos chapas a passar apinhados – mini-vans de 15 lugares onde vão umas 25 pessoas e que é o meio de transporte mais comum.
O mercado era muito rico, colorido e animado, com piri-piri, coco, tomates, abacaxis, artesanato, tabaco e tudo o que se possa precisar. Cheira-me que ainda vou passar aqui umas belas horas a deambular e deixar cá uns quantos meticais.
Temo-nos divertido com os nomes dos boteques, tais como – Contra Stress – e de mensagens que põe à porta de casa, em que a melhor até agora foi – Não queira conhecer da minha vida, maneira educada de dizer “Não metas o bedelho onde não és chamado!”
Para terminar e fazer um círculo completo, voltámos para o céu mais brutal que já vi, com mais uns quantos milhares de estrelas a mais do que o “nosso”. Já o começámos a tentar retratar, mas estou sem grandes expectativas. Ainda bem, já que é por estes momentos irrepetíveis que saio do meu país de vez em quando.
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