Maputo, Moçambique
18-04-2012
Só de manhã me falaram do que são os sons da noite africana. E em Maputo são muito softs, os verdadeiros são na selva, os que nos esperam. O desta noite era um som mecânico, bem audível e agudo que vim a saber ser dum pássaro. Não sei que pássaros têm eles aqui, mas o pobre deve andar sempre num estado de transe para se conseguir ouvir durante tanto tempo.
Estava curiosa em saber como seria a comida aqui, é esse o meu pecado maior, a gula! O mata-bicho – vulgo pequeno-almoço – foi bastante tradicional, com torradas e café com leite mas com marcas que os nossos colegas dizem ser da infância deles, como o chocolate em pó Milo. Não tão tradicional foi o prato que o Frei Vítor nos ofereceu a provar – abacate esmagado com casca e sumo de laranja. Provei e por aí fiquei. O almoço inclui galinha, legumes cozidos e uma feijoada de feijão branco super saborosa, para além de fruta como a papaia e banana. E até há vinho e cerveja! Está salva a pátria.
De manhã, demos umas voltas de carro com o Frei Evódeo, o responsável da casa onde estamos, para ter uma ideia geral de Maputo. As ruas são todas muito planas, com um travo a Nova Deli, devido às influências inglesas, separadas por um passeio a meio, e fiquei surpreendida por ver que os riquexós são iguais. Não esperava encontrar o banco Millenium, os cafés Delta e a Galp, nem nomes tão bonitos como Tomás e Henrique. Nem isso nem lojas de indianos a vender vinho alentejano ou tanto nome de rua “revolucionário” como Karl Marx, Mao Tse Tung ou mesmo Kim Il Sung.
Visitámos a antiga casa dos pais do nosso companheiro de viagem Carlos, que depois da independência, a 25 de Junho de 75, a deixou aos seus empregados que a transformaram numa serralharia. Fomos também à Igreja principal de Maputo; a duas casas lindas e muito cinematográficas mesmo ao lado, uma delas construídas pelo Eiffel (em metal…); a marginal, que muito faz lembrar a do Rio de Janeiro, com o Índico no seu melhor e casas paradisíacas à frente plantadas; e, em aspectos mais mundanos, comprámos um cartão SIM que baixa consideravelmente os custos de comunicação com a terra-Mãe e os que lá ficaram.
A primeira grande surpresa viria mais tarde, quando guiámos mais de uma hora para ir visitar quatro irmãs Clarissas, de Santa Clara de Assis, com os quais os Franciscanos têm uma relação especial. O caminho para lá foi o primeiro verdadeiro contacto com esta realidade, com gente a vender desde mangas a partes de bicicletas à beira da estrada, plantações de mandioca e milho, uma mata verde gloriosa (achava que era tudo tão mais seco!) que depois se transforma em montanha com vales de perder de vista. Mas voltando às irmãs, estas vivem lá apenas há um ano, na cidade de Namaacha, três espanholas e uma moçambicana. Estivemos com elas um bom bocado, em que pudemos contar o porquê da nossa vinda e futura estadia em Inhambane mas, principalmente, pôr-lhe todas as questões que quiséssemos.
Descreveram-nos o seu dia-a-dia, a começar às 5:30 com três horas de orações e leituras até ao pequeno-almoço. Falaram-nos da sua caminhada até se encontrarem naquele local, que consideram ser a sua vocação, e que parte também do ser missionário. E qual é a diferença entre estarem aqui, longe de tudo e todos ou em Espanha, se estão em clausura de qualquer maneira? Responderam que era necessário que este povo sentisse que também estava incluído nas suas orações e que podem recorrer a elas sempre que precisarem.
Além de rezarem e fazerem adorações, também fazem trabalhos manuais que vendem e, por vezes, oferecem umas às outras nos dias de aniversário. Foi curioso ficar a saber pequenos pormenores das suas vidas. Têm que cortar o cabelo quando entram para o mosteiro; uma vez entrando num, devem morrer lá; usam uma portinhola para comunicar com o exterior; e apenas nos recreios podem conversar umas com as outras. O que mais me tocou foi o sorriso largo e o carinho com que nos receberam pois sentem que estarem connosco é também uma forma de estarem com Deus e é para isso que vivem. É preciso sentir mesmo um chamamento para viver uma vida que a maioria de nós acharia impensável mas que elas sentem, e conseguem transmitir, não poderia ser mais completa. Isto não deixa de me intrigar e fascinar ao mesmo tempo. Elas são como que o pulmão da Igreja, diziam – alguém tem que manter a oração e a comunicação com Deus vivas.
No outro extremo, e sinto que isso é grande parte desta cidade, existem sítios como o Hotel Polana que nos transportam para o que em tempos terá sido palco de festas impensáveis e grandes extravagâncias. É dos hotéis mais bonitos que já visitei, consegue manter um estilo clássico e sóbrio, mas ao mesmo tempo imponente. Aí estivemos a beber um copo acompanhado com cajus torrados e não deixo de me sentir culpada por saber que faço parte do 1% que ignorantemente consideramos serem a maioria. Que é difícil imaginar por aquilo que a família do rapaz que nos serve já passou. E mais difícil ainda é saber as tentativas fracassadas que já houve para isso mudar e se alguma vez terão sucesso.
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