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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Moçambique #28


14-05-2012

Já ando a guardar uma "mental picture" o melhor que posso, como diz uma música, dos meninos da escolinha. Com abracinhos apertados e desajeitados deles, as conversas muito vivas mas sem nexo, os olhares tímidos a pedir colo e miminhos, o irem ao quadro sem fazerem ideia do que lá estao a fazer, o bom-dia gritado, a constante partilha de bolachas, de pão, sumo e, consequentemente, haver sempre algum doente, o quanto se conseguem entreter com ramos de árvore, bichos, latas usadas e os nossos cabelos...
Hoje tentei que, a partir das historinhas que eles costumam contar, escrevêssemos uma grande no quadro, com um mínimo de lógica entre as frases. Não sei se perceberam o que era para fazer mas eu ia pegando em bocados das historinhas deles e juntava para compôr a maior. "Era uma vez, um macaco, que foi no mercado, que roubou banana, laranja, pipoca, arroz" é sempre um hit mas a minha personagem favorita tem que ser um tal de "pato-patola".

Sinto-me muito mimada nestes últimos dias! Tivemos já um presente dos miúdos, que o entregaram a cantar, não podia ter sido mais querido. Já o tínhamos escolhido com a Irmã Teresa, eu adorei uma peneira colorida, típica, claro, feita com folha de coqueiro. As Irmãs também fizeram questão de nos oferecer uma capolana linda e de um tecido óptimo acompanhado dum postal com uma mensagem que aquece qualquer coração. Esta malta trata-nos demasiado bem.

Sendo segunda-feira, o hospital estava muito movimentado, mais ainda sem a Irmã Adriana lá. Adiantámos muito na parte das consultas, a pesar bebés, fazer as suas fichas e das mamãs, a medir e ouvir barrigas e, a tão necessária mas entediante tarefa, de fazer saquinhos de comprimidos.

O serão foi passado à conversa com o Frei Filipe. Uma lição reforçada hoje foi a dos ritos de iniciação por que costumavam passar os meninos e meninas para se tornarem homens e mulheres, respectivamente. O Frei chegou a fazer isso, ainda se faz, e teve que estar 45 dias no mato, longe de tudo e todos, com circuncisão e actividades muito pouco higiénicas incluídas. Lá, eram ensinados a comportar-se em comunidade, a saber como enterrar um falecido, a tratar do lar, e aí se tornavam adultos. Claro que isso criava um excesso de natalidade, quando libertavam os recentes homens e mulheres depois desses dias todos a serem incitados a constituir logo família, mesmo tendo 13 anos!

Deve-se imaginar o Frei Filipe como um homem de metro e oitenta, com uma barriga quase de meio metro, mais negro é impossível, e com umas mãos enormes sendo depois o ser mais querido à face da terra, que o que mais gosta no mundo é das suas plantas e do seu jardim. Hoje ele dizia, com uma expressão seriíssima, que o que curava tudo era o nosso próprio chichi. Que o bispo lhe tinha dito, quando ele estava mal de dentes, que bochechasse o dito logo de manhã, que era o mais potente e eficaz, e ele jura que nunca mais lhe doeram! Também serve misturado com areia para sugar o veneno duma picada de cobra e que é tudo preconceito, não dá náuseas nenhumas, mesmo engolindo! O que eu me rio. Até com a maior das desgraças, eles cá em casa adoram rir-se a alto e bom som, deve ser algum modo de lidar com o sofrimento que parece resultar. Um exemplo muito concreto: no tempo da guerra, houve aqui um senhor a quem ceifaram aquilo que faz dele um homem à catanada e que "ficou sem nada!". Nós, tentamos ficar com um ar muito sério, e eles desatam a rir a dizer que, desde então, o senhor decidiu que mais valia andar de saias e ser mulher. Hoje, ele passou cá por casa ao jantar e chamaram-no a dizer "Meninas, este aqui é o tal Savana, o homem que anda de saias!" e continuaram a rir-se todos, Savana incluída/o!

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